Friday, September 11, 2009

A hora mágica

Lembro de um dia, quando eu era muito pequena em que minha mãe me levou a uma feira e eu me perdi. Até hoje mamãe conta essa história.
Depois de procurá-la sem encontrar, rumei para casa sozinha. Subi uma rua, desci outra, na esperança de encontrar alguma coisa conhecida, porém, as casas desconhecidas me pareciam antipáticas e frias. Com medo de bater a qualquer porta aproximei-me de uma arvore e, exausta, adormeci. Acordei ao anoitecer. Despertei assustada e sem hesitar corri para a porta da primeira casa e bati. Dentro de meia hora estava sã e salva dentro de casa.

Minha mãe perguntou por que eu havia demorado tanto a procurar socorro, não soube explicar, nem o sei hoje, a não ser dizendo que o encanto do anoitecer ainda me domina, ainda acalma meus temores e me anima o espírito. Sinto-me mais confiante ao anoitecer, é a hora da volta ao lar, uma hora em que nos sentimos deliciosamente famintos e ansiosos pelo jantar e por um belo banho.
De repente, meu mundo entrou nos eixos, essa era a hora encantada quando pedíamos o que queríamos, um jantar quentinho na mesa depois de um dia inteiro de brincadeiras, um doce qualquer – uma hora de ternura.

Quase tão bom quanto voltar para casa ao fim do dia é a alegria de iniciar uma viagem há essa hora. Você já experimentou?
É um precioso intervalo entre o dia e a noite, quando o ar azul parece cheio de excitação, quase com sabor de aventura ou caminhar numa rua tranqüila e arborizada, quando os pássaros pipilam com sonolência e os insetos acordam para dar inicio a um belo clamor musical.

Das horas mágicas infantis permanece a lembrança e a sensação de felicidade de poder sair correndo de casa para brincar de esconder ao anoitecer.
À medida que escurecia mais, as brincadeiras ficavam encantadoramente mais difíceis. “Estou vendo Maria!” Mas será Maria? Ou imaginação apenas, uma sombra ilusória? Brilha uma luz...depois outra. Vaga-lumes!

E começa a caçada, correndo e gritando, faces quentes acariciadas pelo ar frio, meninos e meninas perguntam, para cima e para baixo, “Apanhei mais do que você!”. Ah! Que doces lembranças!



Jamais esquecerei das amoras que marcavam as estações do ano ao cair da noite, era uma arvore perdida numa rua ainda de terra no caminho da escola. Do frescor de terra molhada, da saudade da fumaça das fogueiras que em julho animava as festas juninas, do sabor cortante do anoitecer no inverno quando o céu fica salpicado de roxo brilha como um espelho.

Estou agora no mato - Paro nos degraus, avisto o grande curral defronte, a vassoura na mão, depois de varrer as folhas secas que caiu, minha mente vagueia de novo.
Anoitecer no inverno - Parece ser este o melhor de todos.
Uma luminosidade sinuosa verde-prata que palpita e treme suavemente, uma hora em que o dia morre de repente, a noite nasce de repente, mas com grande paz...Neste instante não posso duvidar da união do homem com o Universo.
Fico com a convicção de que deve haver um propósito no todo, e de que nós somos partes desse propósito.
No azul incomensurável do crepúsculo, vislumbramos, talvez, um mistério e um sentido que transcendem a rotação desta pedra rodopiante e banal em que vivemos.


Yvone Pereira
Desejo um lindo final de semana a todos.